Vagas incessantes de seres

13/05/2016 12:09

"Os ricos não precisam matar uns aos outros para comer. Botam os outros para trabalhar, como dizem. Não cometem o mal eles mesmos os ricos. Pagam. A gente faz tudo para agradá-los e todos ficam muito felizes. Enquanto suas mulheres são bonitas, as dos pobres são feias. É consequência de séculos de toaletes à parte. Lindas teteias, bem nutridas, bem lavadas. Desde que dura, a vida só chegou a isso. Quanto aos resto, por mais que se faça escorregamos, derrapamos, recaímos no álcool que conserva os vivos e os mortos, não chegamos a nada. Está mais do que provado. E há tantos séculos que podemos olhar nossos animais nascerem, sofrerem e morrerem diante de nós sem que nunca lhes tenha acontecido a eles tampouco nada de extraordinário a não ser recomeçarem sem parar a mesma insípida falência no ponto onde tantos outros animais a deixaram! Deveríamos, entretanto, ter compreendido o que acontecia. Vagas incessantes de seres inúteis vêm do fundos das eras morrer permanentemente diante de nós, e no entanto ficamos ali, a esperar coisas... Nem mesmo para pensar a morte a gente presta."

 

Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao fim da noite