Pirro

06/09/2015 18:55

"Aristóteles resumia nestes termos a doutrina de Pirro: 'Pirro de Élis não deixou nenhum escrito, mas seu discípulo Tímon diz que aquele que quer ser feliz deve considerar esses três pontos: em primeiro lugar, o que são as coisas em si mesmas? Depois, que disposições devemos ter em relação a elas? Finalmente, o que nos resultará destas disposições? As coisas não têm diferença entre si, e são igualmente incertas e indiscerníveis. Por isso, nossas sensações e nossos juízos não nos ensinam o verdadeiro nem o falso. Por conseguinte, não devemos nos fiar nem nos sentidos nem na razão, mas permanecer sem opinião, sem nos inclinarmos para um lado ou para o outro, impassíveis. Qualquer que seja a coisa de que se trata, diremos que não se deve mais afirmá-la do que negá-la, ou que se debe afirmá-la e negá-la ao mesmo tempo, ou quenão se deve nem afirmá-la nem negá-la. Se estivermos dispostos a isto, diz Tímon, 'alcançaremos primeiro a afasia, em seguida a ataraxia'. Duvidar de tudo e ser indiferente a tudo, eis todo o ceticismo, na época de Pirro como mais tarde. Epoché, ou suspensão do juízo, e adiaforia, ou indiferença completa, eis as duas palavras que toda a escola repetirá: eis o que ocupa o lugar da ciência e da moral."

"O cético volta com insistência a este ponto: todas es expressões de que se serve têm apenas a aparência de dogmáticas. Elas designam não uma coisa real, mas um simples estado da pessoa que fala; uma simples maneira de ser, que não imlica, de modo algum, uma realidade exterior a essa pessoa e independente dela; é um simples fenômeno, como diríamos hoje, puramente subjetivo."

"É importante assinalar que a dúvida cética não se dirige às aparências ou fenômenos que são evidentes, mas unucamente às coisas obscuras ou ocultas. Nenhum cético duvida de seu próprio pensamento, e o cético reconhece que é dia, que vive, que vê claramente. Ele não contesta que tal objeto lhe pareça branco, que o mel lhe pareça doce. Mas o objeto é branco? O mel é doce? Eis o que ele não sabe. Ele ignora tudo aquilo que não aparece aos sentidos; não nega a visão, mas não sabe como ela se forma. Ele sente que o fogo queima, mas ignora se está em sua natureza queimar."

"Não se deve portanto dizer que o cético duvida de tudo em geral: ele não duvida dos fenômenos, mas somente de realidades enquanto distintas das aparências. Se se retém bem esse ponto, será fácil responder a todos os sofismas dirigidos contra o ceticismo."

"Por outro lado, com efeito, vemos que, segundo Pirro e Tímon, o bem e o mal são coisas convencionais, fundadas unicamente no costume: as leis foram instituídas por acaso; não há nenhuma justiça segundo a natureza."

 

Victor Brochard, Os céticos gregos