O rato da sacristia

20/11/2015 18:57

Um rato morava

numa sacristia.

Era um mau católico

e a tudo roía.

Só respeitava a

Santa Eucaristia.

 

Num lugar sagrado

certo se escondia.

Nem mesmo o arcebispo

vê-lo conseguia.

De dia dormia.

E à noite roía.

 

Como o próprio Deus

ele era invisível.

A ninguém no mundo

ele aparecia.

Padre e sacristão

sempre o maldiziam.

 

Nenhuma ratoeia

ou mesmo doutrina

lograva pegá-lo.

Fugia aos venenos

como se tivesse

proteção divina.

 

Mal caía a noite

saía da toca

e a tudo roía.

Nem sequer poupava

o dedinho do

Menino Jesus.

 

Numa madrugada

quando ele roía

rico paramento

Deus lhe apareceu.

E à muda censura

ele respondeu:

 

'Nós, os roedores,

vosso santo nome

invocamos sempre.

Deus seja louvado

que criou a terra

os ratos e os homens.

 

Fostes vós, Senhor!

E quem cria um rato

cria a sua fome,

seu dente de siso,

Para que vivamos

roer é preciso.'

 

Em silêncio Deus

pesou o argumento

e para poupar

o seu paramento

e salvar a Igreja

não titubeou.

 

Quem vive tem fome?

Roer é preciso?

Deus não fez por menos.

Para que veneno?

Levou o ratinho

para o Paraíso.

 

 

Lêdo Ivo, Crepúsculo civil