Horas monótonas

18/12/2017 20:31

"Olhou novamente para o quarto, coçando-se por baixo da camisa. Uma terrível suavidade vinha-lhe à boca, diante de tanto abandono e solidão. Por sentir-se tão longe de tudo e até mesmo de sua febre, por experimentar tão claramente o que há de absurdo e de miserável no âmago das vidas mais ordenadas, nesse quarto erguia-se diante dele a imagem vergonhosa e secreta de uma espécie de liberdade que nasce da dúvida e da fraude. À sua volta, horas monótonas e indolentes, e o tempo inteiro marulhava como lodo. 

 

Albert Camus, A morte feliz