Cristianismo e darwinismo

13/03/2021 01:52

“Hoje não há mais nenhuma dúvida de que o darwinismo é mais fiel à experiência cristã do que a negação da evolução. Hoje, retrógrados são aqueles que acreditam que Darwin é um herege. O tempo deu razão a Teilhard de Chardin.”

Carlo Molari sorri, enquanto, no seu escritório dentro da sua casa em Cesena, na Itália, folheia com delicadeza as páginas do seu grande amor teológico, os escritos do jesuíta De Chardin, falecido em 1955, e sobre cujas obras ainda está válido a advertência da Doutrina da Fé do dia 30 de junho de 1962.

Hoje com 92 anos, Molari é um dos mais renomados teólogos italianos. Auxiliar de estudos do ex-Santo Ofício e depois professor de dogmática na Universidade Urbaniana, em 1978 ele pediu sua aposentadoria depois que o prefácio ao Dicionário Teológico (Borla, 1972) e o livro “La fede e il suo linguaggio” [A fé e a sua linguagem, em tradução livre] (Cittadella, 1972) foram acusados de sustentar posições não conformes com a doutrina.

Os censores não aceitavam o fato de não se poder dizer nada de definitivo sobre Deus pelo fato de a sua compreensão crescer com a evolução do ser humano e das suas capacidades cognitivas. Um pensamento com o qual hoje muitos concordam e que foi posto por escrito por Molari em um poderoso volume publicado pela editora Gabrielli: “Il cammino spirituale del cristiano” [O caminho espiritual do cristão, em tradução livre].

A reportagem é de Paolo Rodari, publicada por La Repubblica, 11-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis a entrevista.

 

Então, o senhor tinha razão sobre Darwin?

Negar a evolução significa não se dar conta do caminho real que os seres vivos estão fazendo na terra.

 

Deus é a fonte da evolução?

A evolução é possível precisamente porque Deus é a sua fonte, o seu princípio. Mas, se Deus está no princípio, isso significa que a sua perfeição ainda não foi inteiramente expressada. Só a evolução pode explicar a complexidade da realidade e o mistério de Deus.

A história, então, é necessária para o ser humano, mas também para a teologia, isto é, para a reflexão do ser humano sobre Deus?

evolução requer a história. Os antigos pensavam que, na origem, havia um Adão perfeito, mas não pode ser. O ser humano tem que devir e devém na história, assim como a percepção que nós temos de Deus.

 

Então, o pecado original é uma fantasia?

Não exatamente. A doutrina tradicional contém uma verdade de fundo, isto é, a incidência negativa de uma geração sobre a posterior. A vida é comunicada muitas vezes com limitações e carências. A insuficiência da doutrina tradicional consistia em imaginar um início já perfeito e completo, que teria sido perdido, enquanto era uma meta a ser alcançada. Tudo na história está em evolução. E, sinto muito, mas o pensamento da Igreja também é assim. Na Igreja ainda hoje há quem pense que a ortodoxia deve ser salvaguardada, e que toda evolução dela é má. Mas o mal é ter essa visão das coisas.

 

Voltemos a 1978. O senhor foi julgado como herege?

Não precisamente herege, mas não em sintonia com o ensino tradicional e seguro.

 

Como reagiu?

Tentei me defender. Pedi a quem me acusava para tentar novos caminhos e favorecer caminhos aventurosos nos países de missão: então, para evitar esse risco, devemos ficar sempre 20 anos para trás? Eles me responderam pedindo-me para deixar o ensino. Eu tinha compensado os anos das duas formações e assim, embora tendo 50 anos, decidi me afastar e pedi, como tinha direito, a aposentadoria.

 

O que eles não aceitavam do seu pensamento?

Eu insistia no fato de que as mudanças culturais requerem uma contínua adequação também das formas doutrinais. E que, no rastro de Teilhard de Chardin, o pensamento que temos de Deus também não pode deixar de evoluir.

 

Quem é Deus para o senhor?

Não sabemos nada de absoluto sobre ele. Só podemos esboçar algo, mas sempre adequando aquilo que dizemos à experiência que fazemos, ao fato de que evoluímos.

 

Não podemos dizer nada de definitivo sobre Deus?

Se soubéssemos algo de definitivo sobre Deus, estaríamos na sua altura, mas não estamos.

Para o cristianismo, porém, Deus se encarnou em Jesus.

Jesus é o nome da realidade humana que “crescia em sabedoria, idade e graça perante Deus e os homens” (Lc 2, 52). Jesus é um ser humano como todos nós. O Verbo é o nome que nós damos à dimensão divina que se manifestou como Palavra. Espírito é o nome que nós damos à dimensão divina que irrompe do futuro e nos torna filhos no Filho. As fórmulas trinitárias traduzem as nossas relações com Deus no tempo.

 

Mas Jesus não revelou Deus?

Ele o revelou de modo humano, de modo progressivo e sempre inadequado. Ele nos falou de Deus de acordo com o nível humano através do qual ele podia se expressar, de acordo com a cultura do seu tempo.

 

Para que serve Jesus, então?

Ele traçou um caminho, nós o continuamos. Tornamo-nos filhos de Deus no Filho que ele é, mas Deus como tal permanece incognoscível.

 

Quem Jesus acreditava que era?

Ele pensava que era um mensageiro de Deus, o ungido, o Cristo. O salvador. E ele foi isso.

 

Teilhard De Chardin exaltava o aspecto cósmico de Cristo, Jesus como salvador de todos os seres vivos existentes no cosmos. O senhor compartilha isso?

Esse aspecto é discutível. Acredito que Cristo é a salvação da humanidade, mas hoje não podemos dizer que a humanidade é o centro do cosmos e, portanto, que Cristo tem uma função cósmica, porque a humanidade é um pequeno fragmento do universo. Não se exclui que existam outras formas de vida inteligente, e não acredito que, para elas, Cristo é a salvação. Não somos autorizados a afirmar isso.

 

O que o senhor pensa sobre as outras religiões?

Devemos dialogar com cada uma para acolher o seu dom e lhes dar o nosso dom.

 

Como imagina o além?

Não podemos dizer nada sobre o além. Não temos elementos. Os primeiros discípulos esperavam o fim do mundo de uma hora para a outra, mas ele não chegou. Não podemos saber.

 

Poderia haver o nada?

No tempo de Jesus, muitos judeus pensavam assim e acreditavam que somente no fim dos tempos haveria a ressurreição. O modelo grego, por sua vez, sustentava a presença da alma imortal. Este modelo, que aparece no livro da Sabedoria, prevaleceu também no cristianismo.

 

O senhor teme a morte?

Não diria isso. Temo mais o sofrimento da doença que poderia levar à morte. O ideal seria morrer em um instante. Em todo o caso, procuro estar preparado. Na minha idade, muitas vezes eu penso: e se eu morresse agora?

 

O que aconteceria?

Não sei responder. Ninguém pode saber com segurança aquilo que vai acontecer.

 

Mas haverá algo?

Eu tenho confiança. Também é possível que, para alguns, haja uma continuidade, enquanto para outros não. Nesse sentido, seremos responsáveis pelo nosso futuro. Seremos, portanto, aquilo que acreditamos que poderíamos nos tornar.

Eu li que, para o senhor, é no silêncio que se pode descobrir aquilo que se quer ser.

silêncio é criar um ambiente de escuta das realidades que ainda não podemos viver. É criar a possibilidade de escuta das palavras que não podemos pronunciar, mas que dizem respeito ao nosso futuro.

 

O que significa, então, ter fé em Deus?

A modalidade concreta de ter fé em Deus é ter fé em si mesmo, porque Deus está dentro de nós e nos faz ser. Se cremos em nós como filhos de Deus, cremos nele como princípio e fundamento do nosso devir.

 

Mas por que o mal?

Ele não pode não existir, porque é a condição para crescer, para evoluir. A criação é possível precisamente porque é devir. O devir implica imperfeição, passar da imperfeição ao cumprimento. Se Deus cria, ele não pode evitar o mal, porque deve iniciar a partir do nada, da imperfeição. Nós também, quando agimos, devemos correr o risco da imperfeição, do esforço de superar o mal.

 

No silêncio podemos desejar aquilo que queremos ser?

Sim, mas devemos estar disponíveis para acolher que se realize aquilo que não podíamos suspeitar, que a força criadora de Deus nos leve para onde não podemos imaginar.

 

Publicado na revista IHU Online em 12/03/2021