Analogia com a paranóia

08/12/2018 10:24

"De fato, acredito que uma grande parte da visão mitológica do mundo, cujo longo alcance se estende até as mais modenas religiões, nada mais é do que psicologia projetada no mundo externo. O reconhecimento obscuro (a percepção endopsíquica, por assim dizer) de fatores psíquicos e relações do inconsciente espelham - é difícil exprimir isto em outros termos, e aqui a analogia com a paranóia tem de nos ajudar - na construçao de uma realidade sobrenatural, a qual está destinada, em sentido contrário a ser transformada pela ciência em psicologia do inconsciente. Poder-se-iam explicar deste modo os mitos do paraíso e do pecado original, de Deus, do bem e do mal, da imortalidade, etc., e transformar a metafísica em metapsicologia. A lacuna entre o deslocamento do paranóico e o da pessoa supersticiosa é menos ampla do que parece à primeira vista. Quando os seres humanos começam a pensar, foram forçados, como se sabe, a explicar o mundo moderno antropomorficamente, através de múltiplas personalidade semelhantes a si mesmo: eventos casuais eram, desse modo, atos e manifestações de pessoas. Eles se comportavam, portanto, exatamente como paranóicos, que tiram conclusões de sinais insignificantes fornecidos por outras pessoas e exatamente como todas as pessoas normais que com toda a razão baseiam suas estimativas a respeito do caráter dos vizinhos nos atos casuais e involuntários dos mesmos. É apenas na nossa weltanschauung moderna, científica, mas de modo algum perfeita, que a superstição parece tão fora de seu lugar; na weltanschauung da época dos povos pré-científicos, ela era justificada e insistente."

 

Freud e os filósofos gregos, artigo de Antonio Gomes Penna, publicado na coletânea A formação cultural de Freud